terça-feira, 24 de agosto de 2010

Carta ao presidente






Saiba excelentíssimo senhor presidente,

Homem nordestino como a gente,

Que aqui no nordeste tudo vai bem.

Há mais de dois anos que não chove,

Se não acredita, venha o senhor e comprove

Apesar de que isso, não é da conta de ninguém.



As rebançãs que sempre migram do agreste,

Enfeitando o céu azul do meu nordeste,

Também fugiram para não morrer de fome.

E a cauã que canta ao romper da aurora

Hoje não canta, ela simplesmente chora,

Pois como eu, faz muito tempo que não come.



Por falta de chuva, os rios e açudes secaram,

Os resistentes umbuzeiros murcharam,

Até o mandacaru murchou também.

Mas saiba excelentíssimo Senhor presidente

Homem nordestino como a gente

Que aqui no nordeste tudo vai bem.



Os nossos filhos, já nem vão mais a escola,

Ao in vez disso, precisam pedir esmola,

Andam sujos, descalços e esmolambados.

Tem muitos prostados em cima da cama,

Isto é normal depois de beberem lama,

Misturada com fezes e a urina dos gados.



Gados que morreram sem ter pra onde fugir,

A fome e a sede, não puderam resistir,

Mas este é o destino que todo sertanejo tem.

Por isso saiba excelentíssimo senhor presidente

Homem nordestino como a gente

Que aqui no nordeste tudo vai bem.



Somos nordestinos, fomos esquecidos.

Homens e mulheres desconhecidos,

Apesar de ser um povo tão valente.

Quarenta dias jejuaram Cristo e Moisés,

Mas meu senhor jejuar quarenta meses

Infelizmente não existe quem agüente.



Senhor presidente, desculpe lhe jogar isso na cara,

Sei que também fugiu da seca num pau de arara,

E conhece esta dor como ninguém.

Por isso saiba excelentíssimo senhor presidente

Homem nordestino como a gente

Que aqui no nordeste tudo vai bem.



Se por acaso esta carta chegar a vós

Certamente não ouvirá mais minha voz

Porque a morte esta batendo em minha porta.

Não sou o único, sou apenas mais um homem

Como muitos, condenado a morrer de fome,

Mas e daí, quem com isso se importa?



Desculpe os erros minhas mãos estão tremendo

E as minhas vistas já estão escurecendo

Chegou à hora, de eu me despedir também.

Mas saiba excelentíssimo senhor presidente

Homem nordestino como a gente

Que aqui no nordeste tudo continuará bem.



















Francis Gomes

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