Tem pão seco de ontem?
Eu sempre vos contei histórias que o avô me contava, hoje quero contar-vos uma da qual eu vivi e fui um dos personagens principal em um dos vários filmes da vida cujo enredo sempre foi o sofrimento, a fome, em um mundo que até hoje existe, e ainda continua desconhecido por muitos.
Em uma pequena casa de quatro cômodos, duas salas, um quarto e uma cozinha, metade tijolos e metade taipa, onde eu morava com meus pais, meu irmão e minha irmã.
Tinha apenas uma cama, a dos meus pais e esta de folha de banana. Nós dormíamos em redes, eu e meu irmão em uma das salas minha irmã na outra sala.
Cinco e meia da manhã, meu pai chegava puxando o punho da rede nos acordando para sairmos para o trabalho, pra roça.
Normalmente tomávamos um café puro, eu mesmo nem isso porque nunca gostei de café. Uma vez ou outra tinha uma bolacha doce, ou um uma broa de milho feito por minha mãe. Ás vezes aos sábados meu pai comprava um pãozinho para cada um, e isso era motivo de festa. Mas não é sobre isso que quero falar neste momento em outra ocasião falarei.
Voltamos à ida para roça, cada um de nós digo eu meu pai e meu irmão tínhamos que levar uma cabaça com água, e as ferramentas de trabalho, machado, foice roçadeira ou inchada.
Algumas destas ferramentas às vezes ficavam na roça durante o inverno inteiro a inchada por exemplo. Não vou voz fala sobre o uso de cada ferramenta, apesar de saber usar todas elas, não é o que nos interessa neste momento.
A roça ficava a mais ou menos três quilômetros de onde morávamos e tínhamos que ir e voltar na caminhada.
O sol quente porque lá até parece que o sol nasce mais cedo se Poe mais tarde, e é mais quente que em qualquer outro lugar do mundo. Estradas de terra vermelha, quando passava um carro à poeira cobria o suor correndo aquilo impregnava no rosto. Chapéu de palha, roupa remendada e chinelo de couro, pisando em espinhos fazendo a broca e depois encoivarando o mato. Este tipo de trabalho normalmente acontece nos meses de agosto e setembro a época da seca, outubro é a queima da roça, final de dezembro, começo de janeiro começa o plantio. Feijão, milho, arroz, amendoim, algodão, mamona, fava, gergelim e muitos outros cada um ao seu tempo, cada um escolhida a terra onde ele se adaptaria melhor, ciência que o sertanejo aprende com dia a dia.
Eu poderia descrever o tipo de terra, se fofa, se mais dura, se pedregosa ou não, por que eu conheço cada pedaço de terra e que tipo de planta daria melhor, mas isso tomaria muito tempo, e posso contar em outro momento em outra em outra oportunidade.
Como eu estudava no período da manhã, ficava na roça até as onze e meia e depois voltava pra casa, para ir à escola. Na volta tinha que trazer um pau de lenha, o combustível para fazer a comida, por que apesar de nós morarmos na cidade ainda usávamos fogão a lenha. Dia sim dia não assim se dava. Às vezes eu voltava correndo, pois tinha ainda que tomar banho, almoçar antes de ir para escola. Na maioria das vezes eu tomava banho no rio, visto que eu passar pelo rio, meu rio, o meu velho e maravilhoso rio do qual já vos falou em outras ocasiões, o rio Carius ele que me enchia a alma de prazer a me alimentava com seus peixes.
Agora vem a parte mais dolorida da história, que vos confesso choro ao lembrar cada cena, lembro-me cada detalhe como se eu tivesse vivendo agora.
O almoço, se é que posso chamar isso de almoço, era pão de milho, um tipo de faria de milho que alguns conhecem como cuscuz, com feijão, e mais nada. Uma vez outra tinha uns peixes assados, que eu mesmo pegava de anzol no Carius dia de domingo, ou passarinhos pegados na arapuca. Alguém pode até achar que isso era um crime comer passarinhos assados, o IBAMA talvez nos condenassem. Mas quem deles já passou fome? Quem deles pegou uma pimenta vermelha, esmagou-a em caldo de feijão, para servir de mistura, para poder conseguir comer uma massa seca e resistir uma tarde de aula com barriga roncando de fome?
Quantas vezes não vi minha mãe chorando de dó de mim, do meu irmão! Quantas vezes eu não fui impedido de entrar na escola porque não tinha uma conga, a farda do colégio. E eu lá, de chinelo e roupa remendada, ouvido o outros zombarem de mim, rindo daquela necessidade quase miséria. Meu irmão e minha irmã não suportaram desistiram de estudar e só concluíram a quarta seria do primário, eu que nunca desistir de nada na minha vida, conseguir com muito custo e muito esforço de meus pais conclui o segundo grau.
Alguns dias raros tinha merenda na escola eu aproveitava pra comer bastante, alguns colegas que não gostavam da merenda em davam, outras vezes eu entrava na fila duas vezes, escondido claro, para repetir.
E quando não tinha merenda, na hora do recreio eu saia com mais outros três amigos na mesma situação que eu, nós íamos correndo para a padaria do seu Zequinha, no centro da cidade, a única padaria da cidade naquela época. Todas as vezes que lembro disso choro, não é de vergonha, nem tristeza, mas alegria por passar por tudo isso e nunca perder a dignidade, a qual meu pai me ensinou, ser honesto e nunca desistir.
Voltando a padaria, o Benedito um dos empregados da padaria, era o nosso salvador, às vezes ele se aborrecia conosco, mas na maioria da vezes colabora. Tem pão seco de ontem? Da um pra nós. O pão adormecido de um dia para o outro, de dois ou três dias, que o seu Zequinha preferia jogar fora ou fazer torradas, a nos dar para matar a fome. O Benedito pegava escondido e nos dava mandava nós comermos fora para seu Zequinha não ver. Era tão seco que às vezes cortava a gengivas e o céu da boca. Mas era o que nos fortalecia para resistirmos o resto da aula. Quanto à janta era o mesmo que o almoço com uma diferença, metade arroz e metade pão de milho, mas isso é coisa para se falar em outro dia.
Francis Gomes.
Francis: quanto mais te conheço mais te admiro. Quiçá todos os homens tivessem sua sensibilidade!! Um forte abraço!!
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