domingo, 27 de fevereiro de 2011

Nascimento




 Em uma manhã de domingo Abelardo Seboso chegou ao mercado de Vila da Posse trazendo consigo aquele gordíssimo peru para vender. Apeou do cavalo junto ao tanque dágua, onde os animais abatiam a sede após horas de trajeto mata a fora. Tirando os arreios do animal para que pudesse beber água, não esquecendo claro, de afrouxar a cinta que sustentava a sela afim de que não sufocasse o cavalo apertando-lhe a barriga enquanto matava a sede. Seboso, como era conhecido, que por sinal nada tinha de seboso, e sim uma boa aparência, branco, olhos verdes, cabelos castanhos, um metro e setenta e cinco de altura, um porte físico invejável, gostava de andar sempre bem vestido.
Não podia ser considerado um homem culto, afinal de conta nunca se interessou muito pelos estudos, o que ele depois de torna-se adulto considerava seu maior erro na vida, não ter estudado. Lia e escrevia muito mal, mas era poético ao falar, tinha mansidão e doçura no pronuncio das palavras, sempre encontrava, se não a palavra certa, mas um modo carinhoso de falar com as mulheres, e carismático para fazer amizade, nasceu com o dom da palavra. Um ser cuja presença era sinônimo de alto astral. Ganhou o apelido  desde seu tempo de moleque, quando brincava nos lixões a beira do rio Curió com seus colegas.
Passado o tempo, todos casaram inclusive Abelardo. Porém como não podia ser diferente, continuou a amizade com a turma de amigos, que na adolescência, todos os fins de tardes se encontravam no bar do Zé Careca, mais conhecido como, o bar da fubuia. Não por acaso, mas como era habitual todos os domingos, muitos dos amigos de Abelardo, assim como ele, estavam na cidade, afinal em Vila da Posse, domingo é folga no trabalho cotidiano, mas é dia de pegar pesado na marvada,  quebrar o cachaço do galo, tirar o desconto da semana, como fala os pingaiadas, beber todas e mais um pouco.
 Seboso mal chegou próximo à porta do mercado ouviu um dos seus amigos gritar: Seboso, Seboso... Não vai tomar uma com os amigos? Abelardo sorriu como nunca havia sorrido antes aos seus amigos, e falou:
 Desculpem colegas, não posso, vim apenas vender este peru, não posso demorar. Hoje sou o homem mais feliz do mundo, e logo voltarei para casa, preciso levar alguns remédios para mulher. Retrucou Galego, um dos amigos:
- Fala  sério Seboso você nunca foi assim, jamais rejeitou uma branquinha, o que esta acontecendo? E por que esta felicidade toda? Quase explodindo de felicidade, os olhos vermelhos, sem conter as lágrimas que tentava contê-las, mas insistiam em  sair, olhos umedecidos, mas a face enfeitada por um sorriso alegre que ia de uma orelha a outra mostrando todos os dentes.
- Como vocês já  sabiam, a mulher estava grávida e hoje, ah... hoje, meu filho nasceu gente, nasceu... preciso um motivo maior para está alegre?
Todos os colegas correram ao seu encontro e abraçaram-no. Deram-lhe os parabéns. Vamos  comemorar tomando uma. Disse morcego:
 -Eu até pensei que este peru era para tira gosto.
 -Brinca não cara, falou Seboso, minha mulher me mata. Afinal  onde diabo esta o  Zé Careca? Preciso ver se ele não quer comprar o peru. Insistiu um dos seus amigos:
 -Toma pelo ao menos uma em homenagem ao seu moleque.
 -Não, não posso. Ele bem sabia que nunca conseguia tomar apenas uma, mas de tanto insistirem  Abelardo aceitou. Tomou uma, duas, três e não conseguiu parar mais. Enquanto o cavalo entre muitos outros matavam a sede  no tanque dágua, Seboso não apenas tomava birita, mas degustava cada copo de pinga, que descia rasgando, queimando feito brasa goela abaixo e, entre um gole e outro, gritava: Meu filho nasceu... meu filho nasceu... meu filho nasceu. Há esta hora, o peru já estava morto, e Zé careca  assando-o, não por tê-lo comprado, mas a pedido do próprio Abelardo, para servir de aperitivo a ele e os seus amigos (se é que pode chamar estes de amigos...).
As horas voavam, o dia chegava ao fim, o sol  escondia-se atrás da serra, o dia se escapulia por trás das montanhas e aparecia no céu às primeiras estrelas cada uma com um brilho cintilante mais que a outra, enfeitava o céu azul de Vila da Posse. Enquanto o sol se escondia, a lua despontava atrás dos montes, os vaga-lumes passeavam e entre uma árvore e outra podia ver pequenas luzes piscando parecendo miniaturas de helicópteros com seus sinalizadores. Os passarinhos em revoadas se recolhiam ao aconchego dos seus ninhos, e nada de Seboso voltar para casa. À mulher, nervosa, aguardava o pobre-diabo que não aparecia com os remédios. Além de preocupada  ainda sentia dores, pois apesar de dona Chica, ser uma ótima parteira, muito experiente, o trabalho de parto havia se complicado, por ser o primeiro filho e Teresa era jovem, inexperiente. Uma mulher forte é verdade, mulata cor de jambo, olhos negros grandes, cabelos lisos, parecendo índia, caiam até abaixo dos ombros, rosto de menina, lábios carnudos, quando sorria lembrava uma flor desabrochando na primavera, voz delicada angelical, o que a deixava extremamente desejável. Andava como que desfilando, na ponta dos pés, não para se exibir, mas com a sensibilidade ingénua das mulheres do interior. Pernas bem torneadas, coxas grossas, e um busto de causar inveja as que usam silicone, mas no momento  ela precisava urgente de um antiinflamatório e alguma coisa para tirar as dores.
 O peru já era, nem cheiro havia mais, cada um foi para sua casa.  Seboso quase sem se segurar de pé, ainda resmungando:
-Meu filho nasceuuuu... meu filho nasceuuuuuu... Arriou o cavalo, montou, seguiu mato a dentro, na verdade ele não conseguia guiar o cavalo, muito manso e conhecendo o caminho o qual percorria todos os domingos e quando necessário alguns dias no meio da semana,  o levava, meio montado  meio debruçado com a cabeça em cima da lua da sela, abraçado ao  pescoço do animal para não se esborrachar no chão. Chegou em casa, não desmontou, escorregou-se pelo lombo do cavalo e mesmo cambaleando, conseguiu tirar a sela e os arreios do bicho, soltou-o no pasto, entrou  em casa segurando nas paredes, como quem delirando ou ouvindo alguma piada sorria e falava: Cadê meu filho? Cadê meu filho? Quero ver meu bebêeeee.  Sem peru e sem remédio nenhum. Vendo a situação do marido, Teresa, que parecia no momento, uma flor quando lhe falta o orvalho, castigada pelo sol, nada falou, só chorava, soluçando baixinho talvez de vergonha, tristeza ou porque realmente estivesse sentindo muitas dores. Não se sabe ao certo. O marido engatinhando pela casa como uma criança aprendendo andar. Ela observando pensava:
 -Após tanto tempo  de casado, o apelido Seboso, nunca caiu tão bem ao elegante e  Abelardo.


Francis Gomes


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