sábado, 9 de fevereiro de 2013



Tela de minha terra viva

Quando deixei minha pátria,
Levei comigo uma tela pintada
Com as imagens, cores e sons de minha terra,
Para que ninguém roubasse isso de mim
Se não a morte.
Ao centro da tela
Uma mata virgem,
Um por do sol,
De olhos vermelhos e lágrimas douradas
Despedindo-se do dia que vai dormindo
E da noite que começa despertar,
Aos cantos dos pássaros
Cortam o céu de asas abertas
Procurando o aconchego noturno das árvores.
Em um canto da tela
A lua desponta por trás da serra,
Se espalhando pelas estradas de terra batida.
Pirilampos voam por entre as folhas,
Parecendo mines estrelas ao nosso alcance.
Sapos cantam a beira do rio
Que sorri em forma de corredeiras
Rumo ao mar.
No outro canto da tela,
A noite dorme,
Os pássaros anunciam a alvorada.
O sol com seus olhos de fogo,
Fere a terra,
É o dia que acorda.
Em mais um canto da tela
Crianças pulam no rio de águas claras
Nadam parecendo piabas
Aos sons das mulheres batendo
Roupas nas pedras,
Eu sou uma delas.
Um dos cantos da tela deixei em branco
Para pintar quando eu retornasse a minha terra.
E retornei.
Vinte anos depois. E chorei, chorei muito.
Preferi deixar em branco
O canto da tela que faltava pintar,
Para não pintar a morte de minha terra.
Sem mata virgem,
Sem pirilampos,
Sem pássaros a cantar na alvorada,
Sem rios, nem estradas de terras.
As únicas coisas que restaram,
O sol, e a lua porque os homens
Não puderam tocar.
Até  o meu céu estrelado,
O embrulharam em um manto preto.
O sol embrutecido fere a terra nua sem compaixão
Toda cheia de estrias,
Nada o vigor de sua juventude.
E lua chora nos lugares ocultos,
Para ninguém ver sua tristeza.
Fiz bem em pintar a tela de minha terra
Ainda viva.


Francis Gomes

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